25/09/2023

Não ao abate de aves nativas nos Açores


Perante os recentes planos do Governo Regional dos Açores de autorizar o abate de aves protegidas, como o pombo-torcaz-dos-Açores (Columba palumbus azorica) e o melro-preto-dos-Açores (Turdus merula azorensis), supostamente por causarem prejuízos à agricultura ou devido a um excesso de população [1], afirmações feitas sem nenhuma base científica ou técnica, queremos denunciar as recorrentes falsidades com as quais se pretende justificar este novo e grave atentado contra a fauna e a natureza das nossas ilhas.

É falso que exista um excesso de população destas aves nativas. Na realidade, todas as espécies nativas têm os seus próprios mecanismos de regulação natural, não fazendo qualquer sentido, na ausência de desequilíbrios induzidos, pensar em excessos de população, e ainda menos num meio de tão reduzidas dimensões como o nosso arquipélago. O conceito de excesso de população só é aplicável, regra geral, às espécies exóticas invasoras, introduzidas pelo homem no arquipélago e, portanto, sem nenhum tipo de regulação natural, como é o caso do coelho-bravo e dos ratos, espécies efectivamente causantes de importantes danos na agricultura.

Pelos mesmos motivos, é uma falsidade dizer, em rigor, que uma ave nativa pode ser considerada uma praga. Não existe, de facto, nenhuma ave nativa nos Açores que possa multiplicar-se de forma rápida e sem controlo criando subitamente uma superpopulação causadora de danos.

Pelo contrário, a situação das espécies nativas é muito preocupante em termos de conservação. O pombo-torcaz-dos-Açores é uma espécie incluída no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal [2] e a legislação europeia confere-lhe a máxima protecção, proibindo expressamente o seu abate (Directiva Aves, Anexo I), proibição que é igualmente aplicável durante o período reprodutor a qualquer outra espécie protegida.

A população do pombo-torcaz-dos-Açores apresenta-se, na realidade, muito reduzida como consequência da progressiva perda do seu habitat natural, constituído pela floresta laurissilva, quase desaparecida na actualidade, e por causa da caça ilegal [2]. A densidade de população da espécie nos Açores é muito mais baixa do que é habitual para a mesma espécie no continente, contabilizando-se apenas 5 aves/km2 em época pós-reprodutora na maioria das ilhas [3]. Deve considerar-se também que durante a época reprodutora, que vai de fevereiro a setembro, a espécie tem ainda um comportamento territorial [4].

As características da reprodução desta espécie fazem com que uma eventual recuperação das suas populações seja muito difícil, pois de forma geral só têm uma cria por ano. Pior ainda, segundo um recente estudo realizado na Terceira [4], a ilha aparentemente com maior abundância da espécie, o seu sucesso reprodutor é de apenas 9%, chegando a juvenis só uma décima parte do número inicial de ovos. E mais de metade dos indivíduos juvenis poderia não sobreviver ao primeiro ano de vida [3]. Nestas condições, portanto, é irrealista falar de excesso de população ou de que a espécie possa multiplicar-se fora de controlo, sendo certo que o abate de exemplares poderia colocar em grave risco a sobrevivência da mesma.

A verdade é que a desaparição desta espécie é uma possibilidade bem real, como indica o triste exemplo do arquipélago da Madeira: o pombo-torcaz-da-Madeira (Columba palumbus maderensis) foi completamente exterminado em tempos recentes, encontrando-se a espécie actualmente extinta [2]. E a outra espécie de pombo nativo deste arquipélago, o pombo-trocaz (Columba trocaz), continuamente acusado também de causar prejuízos à agricultura, já desapareceu da ilha de Porto Santo, sobrevivendo actualmente apenas na ilha da Madeira.

De facto, pensa-se que há poucas décadas o próprio pombo-torcaz-dos-Açores poderia ter estado próximo da extinção, reduzido talvez a só duas centenas de casais reprodutores, e unicamente foi salvo pela proibição da sua caça na década de 1990 [3]. Curiosamente, mesmo nesses momentos a espécie continuava a ser acusada de causar danos e de estar em excesso. Os estudos existentes revelam, neste sentido, uma incongruência entre as queixas dos agricultores e o comportamento observado nas aves, responsáveis por apenas estragos pontuais e localizados [5].

Na realidade, existe frequentemente uma incorrecta percepção das espécies que são responsáveis pelos danos nas culturas. Apesar de que os viticultores dos Açores têm assinalado muitas vezes estas espécies como pragas, sendo por vezes eliminadas por isso, um recente estudo realizado na ilha Terceira [6] demonstra que o pombo-torcaz-dos-Açores e o melro-preto-dos-Açores provocam danos pouco significativos neste tipo de culturas. Pelo contrário, as principais responsáveis pelas perdas são duas espécies exóticas invasoras: a lagartixa-da-Madeira (Teira dugesii) e o pardal-doméstico (Passer domesticus), para além das várias espécies de ratos, todas elas igualmente invasoras. Resultados semelhantes foram obtidos na ilha do Pico [7].

Outra das aves acusada de ser uma praga, o melro-preto-dos-Açores, é na realidade uma espécie de comportamento territorial, não existindo portanto possibilidade de haver altas densidades de exemplares nem excessos de população. Para além disso, a sua alimentação é omnívora, consumindo ao longo do ano insectos, lagartas, minhocas ou caracóis, pelo que resulta de facto incompreensível esquecer agora o seu possível papel benéfico para a agricultura, próprio deste tipo de aves [6].

Numa situação diferente em relação às anteriores encontra-se a rola-turca (Streptopelia decaocto), uma espécie que tem vindo a colonizar o continente europeu durante o século passado e chegou aos Açores há apenas uns quinze anos, tendo-se reproduzido e expandido desde então pelo arquipélago. Devido à sua recente chegada, pouco é sabido sobre o seu comportamento e a sua possível tendência populacional, ainda que o mais provável é que venha ocupar um habitat semelhante ao do pombo-das-rochas. Refira-se, já agora, o desconhecimento que existe também sobre esta última espécie, considerada cinegética, pois a forma própria das ilhas, o pombo-das-rochas-atlântico (Columba livia atlantis), poderia ter desaparecido devido à introdução e hibridação com as numerosas variedades domésticas da forma continental da espécie.

Apesar de tudo o referido, o Governo Regional decidiu avançar agora, de forma despropositada, com a autorização do abate da rola-turca [8] sem se conhecer a dinâmica da sua população nem quantificar os danos que esta nova espécie nativa possa produzir. A recente autorização contradiz claramente a legislação vigente, pois não são apresentados os imprescindíveis estudos sobre a situação da espécie, não se dá prioridade a métodos de controlo não violentos, não se colocam limites ao abate e não se evita o período reprodutor da espécie. Para além disso, o Governo insiste na falsidade dos danos desta espécie nas culturas vitivinícolas, estigmatizando e relacionando este sector com práticas ambientalmente reprováveis. E longe de tentar clarificar todas estas questões, o Governo Regional ainda evitou propositadamente o debate deste tema na Assembleia Regional [9].

Não há dúvidas de que em toda sociedade moderna qualquer actividade económica, onde a agricultura se insere, deve respeitar limites e regras, não sendo aceitável que essa actividade atente contra as pessoas, a natureza ou o ambiente. Uma agricultura que se quer sustentável e com futuro deve adoptar necessariamente um modelo de actividade integrado e em harmonia com a natureza, mostrando um respeito crescente pelos ecossistemas naturais nos quais se insere.

Surpreende que, ainda hoje, a natureza possa ser considerada como o inimigo e a única solução para qualquer problema seja matar e eliminar as espécies existentes, uma situação própria de tempos passados, quando por exemplo o priolo (Pyrrhula murina), uma ave endémica da ilha de São Miguel, foi considerada nociva e quase exterminada pelos danos que supostamente causava nas culturas de laranja [10]. Mais surpreendente é que o Governo Regional alinhe nesta visão retrógrada e, longe de proteger a fauna nativa e a agricultura, dedique o seu tempo a insistir em falsidades em vez de procurar soluções reais. Existem, de facto, muitas e variadas formas de minimizar os possíveis danos produzidos pelas aves na agricultura: protecções com redes, dispositivos afugentadores de diferentes tipos, plantação simultânea de culturas alternativas, para além das compensações económicas pela eventual perda de rendimentos.

Não é esta, infelizmente, a primeira tentativa de introduzir na região o abate de espécies de aves protegidas. Já em 2015 pretendeu-se autorizar o abate das duas primeiras espécies citadas e do estorninho-dos-Açores (Sturnus vulgaris granti). Finalmente, perante a falta real de argumentos e perante a oposição da opinião pública, o abate foi substituído por medidas reais para minimizar os danos causados na agricultura, preservando-se também, desta forma, a classificação da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico. Naquele momento, o protesto incluiu uma petição pública [11] que recolheu quase um milhar de assinaturas, contando também com o apoio de diversas organizações ambientalistas regionais e nacionais.

As aves nativas dos Açores, resultado de milhões de anos de evolução, são únicas no mundo, possuem um elevado valor natural e desempenham um papel fundamental na manutenção dos frágeis e ameaçados ecossistemas insulares. É necessário, portanto, adaptar a prática de uma agricultura sustentável à imprescindível protecção das nossas espécies e da natureza das nossas ilhas.



ASSOCIAÇÕES E GRUPOS ASSINANTES (25 set):

Amigos dos Açores – Associação Ecológica
Amigos do Calhau – Associação Ecológica
IRIS – Associação Nacional de Ambiente, Núcleo Regional dos Açores
Avifauna dos Açores
Coletivo Açoriano de Ecologia Social

PESSOAS ASSINANTES (27 set):

Alexandra Manes
Ana Loura
António Rego
Carlos Ribeiro
Célia Margarida Fernandes Pimentel
David M. Santos
Dinarte Pimentel
Diogo Caetano
Filipe de Chantal Borges Sancho
Gabriela Mota Vieira
Helena Melo Medeiros
João Paulo Marques Rosa
Jorge Cardoso
José Augusto Rodrigues Almeida
José Pedro Medeiros
Luís Melo
Maria da Anunciação Mateus Ventura
Maria Gabriela Serra Medeiros Oliveira
Maria Inês Vargas
Marlene Susana Raposo Dâmaso
Pedro Neves
Rita Bernardino
Teófilo José Soares de Braga



Referências:

[1] Açores vão controlar excesso de aves protegidas que são praga para agricultura. Lusa, 14/08/2023. Acedido em: https://www.sapo.pt/noticias/economia/acores-vao-controlar-excesso-de-aves_64da64e96714d631b617b6ab

[2] Almeida, J., Catry, P., Encarnação, V., Franco, C., Granadeiro, J.P., Lopes, R., Moreira, F., Oliveira, P., Onofre, N., Pacheco, C., Pinto, M., Pitta Groz, M.J., Ramos, J. & Silva, L. 2005. Columba palumbus Pombo-torcaz. Em: M.J. Cabral et al. (eds), Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, p. 329. Instituto da Conservação da Natureza, Lisboa.

[3] Dickens, M. & Neves, V. 2005. Post-breeding density and habitat preferences of the Azores Woodpigeon, Columba palumbus azorica: an inter-island comparison. Arquipélago. Life and Marine Sciences 22A: 61-69.

[4] Fontaine, R., Neves, V.C., Rodrigues, T.M., Fonseca, A. & Gonçalves, D. 2019. The breeding biology of the endemic Azores Woodpigeon Columba palumbus azorica. Ardea 107: 47–60. doi:10.5253/arde.v107i1.a4

[5] Plano Sectorial para a Rede Natura 2000 – Açores. Espécies da Directiva Aves/Habitats 140/99 Diário da República Anexo A-1: Columba palumbus azorica. IslandLAB. https://islandlab.uac.pt/fotos/publicacoes/publicacoes_Columba_palumbus_azorica_EspeciesDirectivaAvesHabitats140_99_DiarioRepublicaAnexoA-I.pdf

[6] Lamelas-López, L. & Ferrante, M. 2021. Using camera-trapping to assess grape consumption by vertebrate pests in a World Heritage vineyard region. Journal of Pest Science 94:585–590. https://doi.org/10.1007/s10340-020-01267-x

[7] Genética revela que pombo-torcaz é mesmo único nos Açores. Diário Insular, 09/06/2022.

[8] Despacho n.º 1556/2023 de 8 de setembro de 2023. Jornal Oficial II Série - Número 174, 8 de setembro de 2023. https://jo.azores.gov.pt/#/ato/0f622003-4b8b-432c-848f-9cfb8820beec

[9] Partidos de direita ignoram estudo e permitem abate indiscriminado de ave protegida provocando danos na biodiversidade e reputacionais. Nota de imprensa do Grupo Parlamentar do BE. http://base.alra.pt:82/Doc_Noticias/NI18508.pdf

[10] Tavares, J. (coord). 2015. Parecer do Departamento de Biologia sobre o “Projecto de Resolução Nº96-X – Plano estratégico de combate às pragas dos Açores”. Universidade dos Açores. http://base.alra.pt:82/iniciativas/p_social/ps1588.pdf

[11] Petição Pública: Em Defesa da Avifauna Açoriana. Pela conciliação da protecção das espécies com uma exploração agrícola sustentável. http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=DefesaAvifaunaAcores




Fotografias cedidas por: Carlos Ribeiro

Pombo-torcaz-dos-Açores (Columba palumbus azorica)

Melro-preto-dos-Açores (Turdus merula azorensis)

Rola-turca (Streptopelia decaocto)



09/06/2020

Jornal Ecologista dos Açores nº 01

Realização do II Fórum da Caça

Na ilha Terceira, a 29 de fevereiro, foi realizado o “II Fórum da Caça”, organizado pelo Governo Regional e que teve como tema “Caça nos Açores: uma visão actual”.

É muito duvidoso que quaisquer das questões realmente importantes e fundamentais sobre a caça tenham sido consideradas neste fórum. Nos Açores, a gestão da caça continua a ser completamente irresponsável a nível político, a ser atentatória contra a natureza e a estar baseada em grande parte numa premeditada ignorância.

A actual legislação sobre a caça nos Açores despreza a protecção da natureza, ignora os tratados internacionais, fomenta as espécies exóticas invasoras e atenta contra espécies nativas em perigo.

Este desprezo pela natureza por parte dos governantes e a sua atitude servil para com alguns grupos de caçadores ficou bem exemplificada nas ridículas declarações do Secretário Regional de Agricultura e Florestas, que afirmou que "os caçadores são vigilantes da natureza em regime de voluntariado".

Umas palavras que foram pronunciadas no final do fórum, que teve uma participação activa de caçadores vindos do continente.

Avifauna dos Açores
Jornal Ecologista dos Açores nº1


17/12/2019

Campanha SOS Cagarro: balanço de 2019




Associação Amigos do Calhau

Terminada a Campanha SOS Cagarro deste ano 2019, na associação Amigos do Calhau consideramos que é tempo de fazermos um pequeno balanço sobre a mesma.

É com grande satisfação que notamos que a divulgação da campanha foi bastante eficaz em chegar ao público através dos meios de comunicação, levando a uma adesão cada vez maior da sociedade no seu conjunto. Para além disso, a colaboração de entidades como a PSP, por exemplo, tem sido fundamental para o bom funcionamento da mesma mediante a receção das aves. O desenvolvimento do Projeto LuMinAves (Poluição luminosa e conservação nos arquipélagos da Macaronésia) também tem dado um contributo positivo para aumentar a consciência sobre o impacto da poluição luminosa na queda das aves, sendo este tipo de poluição, na realidade, a que motiva a necessidade de realizar cada ano esta campanha.

Mas infelizmente nem todos os aspetos da Campanha têm sido positivos. Este ano houve um maior número de quedas de aves, em parte devido a factores naturais como um maior sucesso reprodutor das aves e as fortes inclemências climatéricas sofridas pelo arquipélago, mas a principal causa das quedas continua a ser o impacto do fator humano. E a tudo isto devemos acrescentar que houve algumas falhas que consideramos importantes no desenvolvimento da Campanha.

Sendo a Campanha SOS Cagarro promovida pelo Governo Regional dos Açores, através da Direção Regional dos Assuntos do Mar e com o apoio da Direção Regional do Ambiente, notamos a existência de uma importante descoordenação entre as várias entidades governamentais e graves carências nalguns aspetos:

- A redução da poluição luminosa, responsável da queda das aves e necessidade da realização da Campanha, continua a ser uma questão por resolver, com a excepção de alguns poucos casos pontuais. A isto se acrescenta um evidente agravamento da situação em algumas zonas, com o aumento descontrolado da poluição luminosa motivado pela abertura de novos caminhos perto do litoral e a sua iluminação com lâmpadas LED de grande potência, em aberta contradição com o Projeto LuMinAves.

- Ainda que a linha telefónica de apoio à Campanha (a linha SOS Ambiente) funcione com atendimento de 24 horas, esta não tem qualquer utilidade se depois não há resposta adequada no terreno, nas diferentes ilhas, por parte dos serviços do ambiente. É de salientar que, na prática, esta linha deixa de ter qualquer efeito a partir da meia-noite, pelo facto de não haver vigilantes da natureza no terreno a partir de essa hora. Ainda, em diversas ocasiões as pessoas, depois de contactar com a linha de apoio, ficaram várias horas à espera de que alguém viesse recolher a ave, acabando por contactar com a nossa associação telefonicamente à procura de uma solução.

- Na ilha de São Miguel foi notória a falta de Vigilantes da Natureza durante a Campanha. Esta carência foi particularmente grave durante o pico da Campanha, período durante o qual consideramos que deveria haver um importante reforço dos efectivos. Nos fins-de-semana chegou a haver somente uma brigada de Vigilantes por turno para toda a ilha.

- A carência de Vigilantes da Natureza levou também a uma falta de recolha das aves depositadas durante a noite nas esquadras da PSP. Isto levou em muitos casos a que fossem os próprios agentes da PSP a libertar as aves de manhã, uma tarefa que não lhes compete nem faz parte das suas funções. Esta situação anómala exigiu portanto um dispêndio extraordinário, nomeadamente em tempo e combustível, às esquadras da PSP. Para além disso, pela nossa própria experiência, consideramos que a libertação das aves deveria ser feita só por pessoal especializado.

- Houve também uma carência de elementos tão fundamentais para a Campanha como as caixas para a recolha das aves. O número destas caixas foi insuficiente e as existentes não foram distribuídas adequadamente. Até chegamos a ver situações nas quais os Vigilantes da Natureza tiveram de pedir caixas às ONGs presentes no terreno.

- Em São Miguel continua sem haver um Centro de Recuperação de Fauna com as mínimas condições e que possa servir de apoio à Campanha, nomeadamente no tratamento das aves que são encontradas feridas. É incompreensível que nem sequer uma das principais ilhas dos Açores tenha este serviço de apoio à biodiversidade, que seria ainda de fundamental importância no contexto da Campanha SOS Cagarro.

A bem do interesse dos cagarros, uma espécie que desde sempre, e cada vez mais, tanto diz aos açorianos, gostaríamos que todos estes pontos fossem corrigidos ou melhorados na Campanha do próximo ano. Tudo isto com o intuito de nos aproximarmos ao verdadeiro objectivo da Campanha SOS Cagarro, que não é recolher um maior número de aves, mas sim reduzir ao máximo as causas da queda dos juvenis, isto é, a poluição luminosa, nomeadamente durante o período no qual eles saem dos ninhos. E também, para aqueles que mesmo assim caem por terra, reduzir ao máximo a sua mortalidade.



Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves

A Campanha SOS Cagarro é a mais emblemática Campanha de sensibilização ambiental e conservação que é coordenada pela Direção Regional dos Assuntos do Mar, na qual a SPEA tem colaborado desde 2009 até ao presente. A nossa área de atuação começa pela mais pequena ilha dos Açores, o Corvo, (um santuário para as aves marinhas e onde tudo começou em 1991), Vila Franca do Campo (com o Anel da Princesa, o ilhéu, uma importante colónia para esta ave marinha), e termina nas Terras do Priolo (Povoação, Faial da Terra e Nordeste, neste período o cagarro ganha protagonismo nas Terras onde o Priolo é Rei).

No total no Corvo foram salvos 633 cagarros juvenis Calonectris borealis (630 anilhados e medidas biométricas registadas) encandeados pelas luzes artificiais em 2019, em colaboração com o Parque Natural de ilha e a ajuda essencial da população corvina, em particular a mais jovem que como habitual é fundamental para o sucesso da Campanha. De ressalvar ainda o apoio fundamental da Guarda Nacional Republicana na libertação dos juvenis de cagarro. E claro está agradecer à Câmara Municipal do Corvo pela minimização do impacto da poluição luminosa ao proceder ao apagão geral da iluminação pública das 01h00-05h00 e o apagão geral no dia 1 de novembro das 21h00-05h00 no âmbito do Projeto LuMinAves. Ainda no âmbito deste, obteve-se uma taxa de recaptura de 25 % de juvenis anilhados nos ninhos monitorizados por nós na ilha e que foram encandeados pelas luzes da Vila do Corvo.

Apesar das medidas de mitigação infelizmente o número de mortos foi alto para o esforço de 24h realizado pela equipa SPEA/PNI e voluntários, com 19 mortos, comparativamente com anos anteriores, com 37% destes a corresponderem a cagarros encandeados com a forte iluminação do porto, situação só revertida após o apagão destas luzes pela Portos dos Açores, a pedido da Câmara Municipal do Corvo.

Do Corvo seguimos para Vila Franca do Campo onde no total foram salvos 735 cagarros que foram anilhados e as biometrias registadas, tendo ainda sido recapturados 14 juvenis anilhados no Ilhéu de Vila Franca do Campo, com uma taxa de recaptura de 7% de juvenis do ilhéu encandeados pelas luzes da marina de Vila Franca do Campo. Infelizmente também aqui à semelhança do Corvo as luzes da Porto e marina não são adequadas e contribuíram para um maior encandeamento.

E de Vila Franca do Campo continuamos a salvar cagarros e a fazer amigos nas Terras do Priolo, na Povoação onde foram salvos 130 juvenis de cagarro com a colaboração fundamental da PSP e voluntários, em especial 4 que foram presença constante nas brigadas. Passando pelo Nordeste, com 23 juvenis salvos com a colaboração da PSP. Terminando no Faial da Terra, com 81 salvamentos durante toda a Campanha SOS Cagarro.

Em 2019 e como esperado dado o período da lua nova e condições climatéricas o número de quedas foi largamente superior aos anos anteriores (2017, 2018), onde o pico de quedas ocorreu em lua cheia e por esta razão o encandeamento é menor. No entanto, de ressalvar que os novos LEDs Brancos superiores a 3000K colocados nos portos e que provocam maior encandeamento, podem ter contribuído para um maior número destas quedas e da mortalidade, como aconteceu na ilha do Corvo, onde nos dois últimos anos as luzes do porto estavam desligadas, não ocorrendo encandeados e mortos na área.

Há claramente que repensar as estratégias e ter em conta o impacto da poluição luminosa na biodiversidade e em particular nas aves marinhas, antes de implementar nova iluminação. É neste âmbito que o projeto LuMinAves tem como principal resultado uma Estratégia para a Poluição Luminosa na Macaronésia e que estamos a colaborar ativamente com a EDA, DRAM, FRCT e Okeanos para que sejam tomadas as melhores medidas, que tenham em conta, não só a eficiência energética mas também o impacto desta ameaça na biodiversidade, nomeadamente, as aves marinhas, dada a importância da região para estas espécies e o valor incalculável que estas espécies dão à região.

Para terminar, fica um Muito Obrigada a todas as entidades com as quais colaboramos, desde os Parques Naturais de ilha (Corvo e São miguel), Câmara Municipal do Corvo, GNR, PSP e a todos os voluntários que contribuíram para o salvamento de 1602 juvenis de cagarro. Agora resta-nos esperar 6-7 anos para o seu regresso e até à próxima Campanha. Em 2020 cá estaremos para mais um ano a Salvar Cagarros e a Fazer Amigos, na esperança de que ao menos possamos ter minimizado o impacto desta ameaça nas zonas críticas identificadas.



15/07/2018

O impacto catastrófico das espécies exóticas invasoras



Segundo o novo Relatório sobre o Estado Mundial das Aves (*) publicado pela BirdLife International, na actualidade mais de 1.500 espécies foram introduzidas e conseguiram estabelecer-se fora da sua área natural devido à acção directa ou indirecta do homem. E deste conjunto de espécies, aquelas que se expandem na nova área e se consideram portanto como espécies exóticas invasoras (EEI) têm um impacto devastador sobre a vida selvagem.

O impacto das EEI é especialmente importante sobre as aves que habitam ou nidificam nas ilhas oceânicas. Quando olhamos para o conjunto mundial das espécies de aves que se encontram ameaçadas ou em perigo de desaparição, as EEI são responsáveis por essa ameaça em 75% dos casos quando estamos em ilhas oceânicas, enquanto que são responsáveis apenas em 13% dos casos quando estamos em áreas continentais. Na realidade, as EEI são a principal causa da perda de biodiversidade nas ilhas oceânicas e particularmente da desaparição das suas aves nativas. Actualmente existem no mundo um total de 390 ilhas com uma ou mais espécies de aves em perigo de desaparição devido à presença de uma ou mais EEI.

Entre as EEI que ameaçam a sobrevivência das aves nas ilhas oceânicas, as principais espécies são, sem dúvida, os ratos e os gatos domésticos, cujo impacto se deve principalmente a actuarem como predadores dos ovos e crias das aves nos lugares de nidificação. Estas duas EEI ameaçam actualmente a sobrevivência de centenas de espécies de aves no mundo: 250 no caso dos ratos e 202 no caso dos gatos domésticos.


Como em todas as ilhas oceânicas, no arquipélago dos Açores os ratos e os gatos foram introduzidos pelo homem, nomeadamente pelos primeiros colonizadores portugueses, e são também aqui as principais EEI que ameaçam a sobrevivência das aves nativas açorianas.

Na realidade, podem ter sido já responsáveis pela desaparição de algumas espécies de aves açorianas que deixaram de existir mesmo nos inícios da colonização portuguesa, como foram o priolo-grande (Pyrrhula crassa), três espécies de frangos-d'água (Rallus carvaoensis, R. montivagorum e R. nanus) e uma espécie de mocho (Otus frutuosoi). Mas também, na actualidade, são sem dúvida responsáveis em parte pelo abandono de lugares de nidificação ou pelo decréscimo das populações de aves açorianas ainda existentes.

Perante esta situação, parece claro que ratos e gatos, mas também outras EEI introduzidas nas ilhas como os furões, deveriam ser retirados ou erradicados de todas as ilhas açorianas. E muito especialmente nas zonas próximas às áreas de nidificação das aves nativas. Felizmente alguns esforços neste sentido estão já a ser feitos na ilha do Corvo e também nalguns pequenos ilhéus de outras ilhas que contam ainda com a presença de importantes colonias de nidificação de aves marinhas.

Mas estes esforços são ainda muito insuficientes quando consideramos o conjunto do arquipélago açoriano. Infelizmente os descendentes dos colonizadores portugueses, os actuais açorianos, continuamos a olhar erradamente para estas espécies, especialmente para os gatos, tal como se ainda estivéssemos a viver todos no continente, onde estas espécies são, de forma natural, espécies nativas. Pelo contrário, nos Açores ratos e gatos não são espécies nativas, são espécies exóticas introduzidas pelo homem. E, para além disso, revelam ser espécies invasoras, tendo um impacto devastador sobre a fauna nativa açoriana.




(*) BirdLife International (2018). State of the world’s birds: taking the pulse of the planet. Cambridge, UK: BirdLife International.


30/01/2018

Nova lei que regula a caça nos Açores de costas voltadas para a conservação da natureza e o desenvolvimento do turismo





NOVA LEI QUE REGULA A CAÇA NOS AÇORES DE COSTAS VOLTADAS PARA A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO


Como cidadãos açorianos e também como ambientalistas queremos manifestar o nosso pesar pela aprovação na Assembleia Regional da nova lei que regula o exercício da caça nos Açores. Com ela perdeu-se mais uma oportunidade de colocar a defesa da natureza e o interesse geral de todos os açorianos por cima dos interesses particulares duma minoria elitista de caçadores, pouco representativa do conjunto dos caçadores açorianos, que pretende converter a natureza e o território da região num parque temático para a prática de determinados tipos de caça.

Com a finalidade de apoiar esses interesses, o governo regional, o proponente da nova lei, perdeu-se tecendo toda uma série de argumentos contraditórios e sem sentido. Num primeiro momento, por exemplo, considerou que o coelho-bravo é uma praga que causa danos na agricultura e que o exercício da caça é fundamental para poder controlar as suas populações. Mas depois, noutro momento, considerou que não se pode proibir a caça das aves nativas açorianas, aquelas que precisam de protecção, porque isso aumentaria a pressão cinegética sobre as outras espécies, isto é, sobre os tais coelhos que são uma praga.

Mas ainda, noutro momento, considerou que não há estudos que demonstrem que os coelhos sejam uma praga. E isto apesar de esta espécie estar incluída entre as 100 piores espécies exóticas invasoras a nível mundial e também a nível da Macaronésia, e apesar dos estudos, realizados por exemplo nas Canárias, que demonstram o seu forte impacto na flora nativa das ilhas oceânicas.

Durante o debate da lei na Assembleia Regional infelizmente não foi retirada nenhuma ave nativa da lista de espécies cinegéticas, tal como seria lógico fazer a partir dos diferentes argumentos científicos apresentados pelas associações conservacionistas. Pior ainda, foi acrescentada uma nova espécie à lista, a narceja-americana, o que parece claramente ilegal considerando que contraria o Decreto Legislativo Regional (15/2012) da Conservação da Natureza e da Protecção da Biodiversidade.

Desta forma, não foram retiradas da lista espécies como a narceja, que possui apenas cerca de 300-400 casais reprodutores nos Açores, mas por exemplo apenas uma dezena de casais na ilha de São Miguel, muitíssimos menos casais que por exemplo o priôlo. Não foram retiradas da lista espécies como o pato-real e a marrequinha, espécies migratórias das quais já existiram no passado registos de reprodução na nossa região. E não foram retiradas da lista espécies como as perdizes, espécies exóticas cuja introdução na nossa região também seria ilegal, e certamente disparatada quando se pretende que seja realizada por uma entidade pública como o governo regional.

A nova lei regional continua a permitir o exercício da caça nas zonas húmidas e nas proximidades dos trilhos pedestres, em grave confronto com o desenvolvimento do turismo na nossa região, nomeadamente o de observação de aves. O direito dos proprietários à “não caça” nos seus terrenos fica reduzido à decisão e boa vontade do governo. E também nada é feito para impedir a utilização na caça de espécies exóticas invasoras ou para reduzir os maus-tratos aos animais.

Claro que ainda pior foi a intervenção na Assembleia Regional de outros partidos como PSD e CDS, reclamando a caça de espécies ameaçadas como os pombos-torcazes, o aumento das populações de coelhos ou a introdução de mais espécies exóticas. Também foi bastante negativa a ideia recorrente em todo o debate, sem a mínima base científica, de que os animais selvagens precisam de ser caçados para manter reguladas as suas populações, como se a regulação natural das espécies e dos ecossistemas precisasse das espingardas dos caçadores.

Esperamos que no futuro, com governantes e representantes políticos mais iluminados, o bom senso acabe finalmente por se impor na lei. Esperamos que a conservação da natureza passe a ser finalmente uma realidade e uma prioridade política, honrando o que é de facto um direito e um dever constitucional de todos os cidadãos açorianos.



Assinantes:

Avifauna dos Açores
Amigos dos Açores – Associação Ecológica
Coletivo Açoriano de Ecologia Social (CAES)
Ambiflores – Associação de Defesa do Ambiente da Ilha das Flores


Alexandra Manes
Ana Cesário
Ana Nogueira Loura
Ana Sofia Ferreira
Ana Teresa Fernandes Baia Simões
Andrea Fernandes Simões Ribeiro
Carlos Ricardo
Carmo Barreto
Cristina D’Eça Leal Soares Vieira
Dário Rosa
David M. Santos
Diogo Caetano
Elsa Ferreira
Fabio Jorge da Silva Couto
Gabriela Mota Vieira
George Hayes
Gerbrand Michielsen
Hélder Correia
Helena Melo Medeiros
Jessica Pacheco
João Pacheco
Joël Bried
Jordana Vasconcelos
Jorge Ávila de Lima
José Manuel N. Azevedo
Lúcia Ventura
Luís Estrela
Luís Silva
Luís Viveiros
Maria Adelaide Oliveira
Maria Antónia T. de Fraga
Maria Anunciação Mateus Ventura
Maria Cristina de Sousa Tavares
Maria Helena Câmara
Maria Inês de Vargas
Maria José Aurélio
Maria Miranda Teixeira
Marlene Raposo Dâmaso
Nélia Melo
Paulo Monteiro
Rita P.P. Bernardino
Rui Soares Alcântara
Sérgio Rego
Teófilo Braga
Vera Correia






17/11/2017

Petição pela atribuição ao cagarro (Calonectris borealis) do estatuto simbólico de Ave Regional dos Açores




PETIÇÃO PELA ATRIBUIÇÃO AO CAGARRO (CALONECTRIS BOREALIS) DO ESTATUTO SIMBÓLICO DE AVE REGIONAL DOS AÇORES

O cagarro ou pardela-de-bico-amarelo-atlântica (Calonectris borealis) é uma das aves mais emblemáticas dos Açores, presente em todas as ilhas do arquipélago.

É a ave marinha mais abundante nas nossas ilhas, sendo o nosso arquipélago o principal e mais importante baluarte de nidificação desta espécie. Nas nossas ilhas concentra-se cerca do 75% do total da sua população mundial, estando localizadas as restantes colónias no arquipélago da Madeira, nas ilhas Canárias e no litoral continental de Portugal.

O cagarro é uma ave que desde sempre se encontra fortemente ligada ao imaginário cultural dos açorianos. Ela simboliza melhor do que qualquer outra ave a simbiose entre o meio marinho e o meio terrestre que caracteriza os Açores e as suas gentes. Durante todo o período de nidificação das aves, que vai de abril a novembro, o canto singelo e misterioso dos cagarros enche as noites da primavera e do verão por todo o litoral dos Açores. Para os pescadores, que seguem no mar ao longo do ano os seus voos e as suas pescarias, os cagarros servem de ajuda para localizar os cardumes e aumentar o rendimento das suas pescas.

Os cagarros são também os protagonistas da campanha de conservação da natureza com mais sucesso e que mais pessoas mobiliza em todos os Açores. Desde o ano de 1995 realiza-se por toda a região a Campanha SOS Cagarro, destinada ao salvamento dos cagarros juvenis que no seu primeiro voo caem em terra, desorientados por causa das luzes artificiais. Assim, todos os anos, nos meses de outubro e novembro, a Campanha SOS Cagarro mobiliza o interesse e o entusiasmo de milhares de açorianos. Desde os seus inícios há cada vez mais pessoas a participar. Nos últimos anos foi registada a participação de até 4.600 voluntários e de cerca de 315 entidades em toda a região. O seu empenho e esforço servem para resgatar anualmente um elevado número de aves, por vezes superior a 6.000 exemplares.

Tem vindo a crescer, ao mesmo tempo, uma grande sensibilidade e preocupação, por parte de diferentes entidades sociais, pela conservação e futuro desta ave. Desta forma, no ano de 2014, diversas associações ambientalistas e ecologistas assinaram um “Manifesto em defesa do cagarro” no qual era já reivindicada “a declaração do cagarro como Ave Regional, de especial interesse e protecção na Região Autónoma dos Açores”. No referido manifesto era argumentado que “ainda que nos Açores existam outras aves que seriam candidatas a este título, esta espécie é a mais abundante em todas as ilhas, a mais próxima das populações e aquela cuja protecção melhor serviria para a protecção do conjunto dos ecossistemas litorais de todo o arquipélago e de outras aves marinhas ameaçadas”.

Na altura do lançamento do manifesto, as entidades governamentais mostraram simpatia pelo proposto. Com efeito, em carta da Direção Regional dos Assuntos do Mar aos promotores do manifesto, foi-lhes comunicado que “a proposta de criação da figura de “ave de interesse regional” encontra-se sob apreciação das Direções Regionais dos Assuntos do Mar e do Ambiente e da Universidade dos Açores”. Apesar disto, não foram conhecidos, até agora, mais desenvolvimentos.

Cada vez é mais evidente, aquém e além-fronteiras, que a harmonia e convivência entre o homem e a natureza é o único caminho para nos garantir um futuro próspero e sustentável, nomeadamente num meio insular tão pequeno como o açoriano, onde essa relação entre homem e natureza é tão estreita. Mas é também evidente que a conservação da natureza passa, antes de mais, por inculcar na consciência colectiva da população o respeito pelo meio natural e por valorizar socialmente todos elementos que constituem a fauna e a flora nativas.

Sendo o cagarro, como foi dito, um elemento emblemático da natureza na nossa região, a sua valorização social será também a valorização do conjunto da natureza açoriana. A sua protecção será também a protecção do conjunto dos ecossistemas marinhos das nossas ilhas. E o respeito por esta espécie será também, em parte, o respeito pela geografia, pela história e pelo modo de vida do povo açoriano. Assim, a elevação do cagarro a ícone oficial dos Açores, ao mesmo nível de outros símbolos da região, será a melhor forma de elevar e materializar os valores antes citados a um novo e mais avançado patamar, ficando para sempre ligados, de forma espontânea, a um sentimento de orgulho entre todos os açorianos.

Mas se os ícones nos servem para dar uma nova dimensão à imagem que temos de nós próprios e do nosso modo de vida, eles servem-nos igualmente para projectar uma determinada imagem da nossa terra no exterior e entre as pessoas que nos visitam. Assim, com a associação dum símbolo natural como o cagarro aos elementos de identidade próprios do povo açoriano, o nosso arquipélago ganharia sem dúvida em estima, simpatia e prestígio entre todos os povos desenvolvidos onde a natureza é igualmente cada vez mais valorizada.

A atribuição ao cagarro do título simbólico de Ave Regional dos Açores, podendo trazer tantas vantagens, não comportaria na realidade nenhuma mudança legal no seu actual estatuto de protecção, nem afectaria à importância que é dada a outras aves igualmente emblemáticas da região, nem obrigaria à realização de quaisquer acções especiais por parte das entidades governamentais, para além daquelas que já são feitas. Com esta declaração trata-se simplesmente de outorgar uma nova dignidade a esta ave e, com ela, a todo o conjunto da natureza e do povo açoriano.

Por todo o anteriormente exposto, solicita-se que a região institua o cagarro ou pardela-de-bico-amarelo-atlântica (Calonectris borealis) como Ave Regional dos Açores.


Assine a petição aqui: http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT87499






08/11/2017

Comunicado: Associações ecologistas açorianas e mais de 350 pessoas manifestam-se pela defesa das aves açorianas e contra a sua caça


Associações ecologistas açorianas e mais de 350 pessoas manifestam-se pela defesa das aves açorianas e contra a sua caça

Várias associações e colectivos ecologistas açorianos manifestam-se pela defesa das aves nativas dos Açores e subscreveram o “Manifesto pela defesa das aves açorianas e contra a sua caça” (http://avifaunadosacores.blogspot.pt/2017/10/manifesto-pela-defesa-das-aves.html).

Este Manifesto conta com as assinaturas dos Amigos dos Açores, da Quercus/São Miguel, do Coletivo Açoriano de Ecologia Social, da Avifauna dos Açores, e de mais de 350 pessoas individuais que já assinaram uma petição de apoio ao Manifesto disponível na plataforma change.org (https://www.change.org/p/assembleia-legislativa-da-regi%C3%A3o-aut%C3%B3noma-dos-a%C3%A7ores-manifesto-pela-defesa-das-aves-a%C3%A7orianas-e-contra-a-sua-ca%C3%A7a).

O Manifesto critica e pede a retirada da actual Proposta de Decreto Legislativo Regional sobre o exercício da caça nos Açores, apresentada recentemente pelo Governo, por considerar que esta proposta legislativa não está apoiada num grau suficiente de conhecimento científico, por não respeitar o cumprimento dos tratados internacionais e por não proteger de forma satisfatória nem adequada a frágil natureza dos Açores.

Indo ao encontro das mesmas reivindicações apresentadas também num recente comunicado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), os subscritores do Manifesto consideram que se devem excluir definitivamente da lista de espécies cinegéticas as aves nativas que apresentam um estado de conservação desfavorável, como a narceja ou a galinhola, as aves migradoras que utilizam os nossos escassos e valiosos habitats aquáticos, como o pato-real, a marrequinha e a piadeira, e as aves de origem exótica, como a perdiz-vermelha e a perdiz-cinzenta, que mesmo por razões legais nunca deveriam ser introduzidas na nossa região.

O Manifesto alerta também para o facto de quatro aves migradoras protegidas estarem fortemente expostas à caça pelo facto de serem praticamente impossíveis de diferenciar de outras quatro incluídas actualmente na lista de espécies cinegéticas. Também se pede a proibição da utilização na caça de aves de presa e do furão, uma espécie exótica invasora nos Açores.

Os assinantes do Manifesto salientam que a caça de aves açorianas, praticada por uma minoria de caçadores, é altamente subsidiada com dinheiro, equipamentos e funcionários públicos, sendo que o seu escasso benefício contrasta claramente com o impacto negativo que exerce sobre outras actividades económicas mais importantes para a região, como é o caso do turismo. Um impacto que é ainda maior quando a caça é praticada na proximidade dos trilhos pedestres ou nos meses do verão, quando a presença de turistas é maior.

Face às recentes declarações da Directora Regional dos Recursos Florestais tratando de desvalorizar publicamente o conteúdo do comunicado da SPEA, lamentamos a insistência do Governo Regional em ignorar o conhecimento científico existente e em continuar a defender opções ambientais caducas e erradas.

Consideramos muito alarmante que o Governo considere, por exemplo, que os apenas 6-10 casais de narceja existentes na ilha de São Miguel possam ser considerados como uma população estável e vistos como um recurso cinegético sustentável.

Igualmente alarmante é considerar que não há possibilidades de confusão e de caça de espécies protegidas quando sabemos, por exemplo, que 8% das narcejas caçadas no Pico e até 56% das caçadas em São Miguel são na realidade narcejas-americanas, existindo portanto comprovadamente uma confusão contínua e flagrante entre espécies protegidas e cinegéticas.

Também é muito preocupante a insistência em não considerar o furão como uma espécie invasora, as aves de presa como espécies exóticas ou confundir a situação e o estado de conservação das espécies nativas no meio continental europeu e no meio insular açoriano.

Não temos dúvidas de que, com a definitiva proibição da caça das aves nativas açorianas, uma actividade muito minoritária e com um alto impacto sobre o ambiente e sobre outros sectores económicos como o turismo, a região seria grandemente beneficiada.





25/10/2017

Manifesto pela defesa das aves açorianas e contra a sua caça





MANIFESTO PELA DEFESA DAS AVES AÇORIANAS E CONTRA A SUA CAÇA


Perante a nova Proposta de Decreto Legislativo Regional intitulada “Novo Regime Jurídico da Gestão dos Recursos Cinegéticos e do Exercício da Caça na Região Autónoma dos Açores”, recentemente apresentada pelo Governo na Assembleia Legislativa Regional, as pessoas e organizações ecologistas assinantes querem manifestar:

O seu grande descontentamento pelo facto de não ter sido considerado nem aceite nenhum dos pontos recomendados ao Governo Regional pelas diferentes organizações ecologistas, nos diversos pareceres que aquele previamente lhes solicitou.

A sua surpresa pelo facto desta nova proposta continuar a insistir numas ideias sobre a natureza das ilhas e sobre a actividade cinegética completamente alheias à realidade dos Açores, aparentemente copiadas da realidade que é própria do continente.

O seu grande pesar pelo facto da conservação da natureza ser novamente preterida e esquecida em favor de determinados interesses particulares, ficando novamente a natureza, que é o bem comum de todos os açorianos, subordinada aos interesses de uma minoria de cidadãos.

O seu pesar pelo facto dos Açores perderem mais uma oportunidade de se converterem numa referência internacional no respeito pela natureza e pelo ambiente, em grande contradição com os esforços feitos ultimamente para promover a nossa região como um destino turístico de natureza.

Pensamos que a nova proposta deveria no mínimo contemplar de forma científica e rigorosa as características próprias das espécies que se pretende classificar como cinegéticas. Neste momento a proposta inclui dez espécies, algumas das quais próprias da fauna açoriana e outras não, sem fazer nenhuma consideração a este respeito, à sua abundância, ao seu estado de conservação ou à sua importância ecológica. As espécies incluídas são um mamífero exótico (coelho-bravo), duas aves exóticas (perdiz-vermelha, perdiz-cinzenta), três aves nativas residentes (narceja, galinhola, codorniz), três aves nativas migratórias (pato-real, marrequinha, piadeira) e uma ave talvez nativa ou de origem doméstica (pombo-das-rochas).

Constatamos ainda que na nossa região a actividade cinegética está centrada de forma principal e maioritária na caça ao coelho-bravo, sendo a caça às restantes espécies, todas elas aves, uma actividade claramente minoritária e difícil de justificar quando é considerado o elevado impacto ecológico e ambiental que ela provoca.


O coelho-bravo, uma espécie exótica invasora

O coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) é o principal recurso cinegético da região. No entanto, na proposta continua a ocultar-se a autêntica realidade desta espécie: o facto de ser uma espécie que foi introduzida nos Açores com a colonização portuguesa, estando desde então presente em todas as ilhas açorianas à excepção da ilha do Corvo. O coelho-bravo não é portanto uma espécie própria dos Açores e, como em muitos outros lugares onde também foi introduzida, na nossa região está classificada como sendo uma espécie exótica invasora.

Como tal, o coelho-bravo é responsável por enormes e permanentes danos na flora açoriana e por ter contribuído em grande medida para a destruição dos habitats e ecossistemas nativos, assim como para a transformação da paisagem original das ilhas. De facto, os trabalhos científicos consideram o coelho-bravo como uma das cem piores espécies exóticas invasoras dos Açores (Silva, Ojeda e Rodriguez, 2008), mas também a nível mundial (União Internacional para a Conservação da Natureza, 2000).

Para além disso, o coelho-bravo provoca enormes prejuízos económicos na agricultura, sendo considerado uma praga em todas as ilhas onde está presente. E é igualmente responsável por diversos outros danos, como os ocasionados sobre as plantas endémicas utilizadas nos programas de repovoamento da floresta nativa.

Sendo o coelho-bravo uma espécie que cria danos irreversíveis no meio natural e uma grave praga para a agricultura, as entidades públicas não devem, como fazem erradamente na actualidade e se reflecte também na presente proposta, promover a manutenção e a renovação das populações desta espécie em liberdade na óptica exclusiva da sua utilização cinegética.

Segundo todos os tratados europeus e internacionais de defesa da natureza assinados por Portugal, é da obrigação e da responsabilidade das entidades públicas reduzir as populações das espécies exóticas invasoras em estado livre até conseguir, tendencialmente, a sua completa desaparição do meio natural.

Os benefícios decorrentes da progressiva desaparição do coelho-bravo, evitando os enormes prejuízos naturais e económicos que origina, seriam sem dúvida muito maiores do que aqueles obtidos na caça.


A obrigação legal de não introduzir espécies exóticas

A perdiz-vermelha (Alectoris rufa) e a perdiz-cinzenta (Perdix perdix), aves próprias do continente europeu, são também espécies exóticas, não pertencentes portanto à fauna açoriana. Apesar de não estarem classificadas como invasoras, como o coelho-bravo, pois até agora não foi demonstrado que criem danos importantes no meio natural, a prática de introduzir espécies exóticas no meio natural é, na actualidade, considerada como um atentado ambiental e contraria toda a legislação nacional e internacional.

Ora, a inclusão na lista de espécies cinegéticas destas duas espécies de perdizes implica necessariamente a intenção de as importar e as libertar no meio natural da nossa região, actuação que, como é dito, contraria claramente as normas jurídicas existentes. Por este motivo estas duas espécies exóticas deveriam ser imediatamente excluídas da lista.


Aves nativas em estado de conservação desfavorável

Existem dados muito preocupantes sobre o estado de conservação e sobre a abundância da narceja (Gallinago gallinago) e da galinhola (Scolopax rusticola), espécies nativas dos Açores que ocupam uns habitats de grande importância ecológica.

Estas duas aves, nomeadamente a narceja, são espécies que se encontram em claro declínio na nossa região, sendo as principais causas da diminuição da sua população a perda do habitat e a pressão cinegética. As populações nidificantes destas espécies são muito reduzidas, no caso da narceja com apenas 278-418 casais para o total dos Açores (Pereira, 2005). E nalgumas ilhas estão já prática ou totalmente desaparecidas.

Devido à sua alarmante situação no nosso arquipélago, perto da extinção, e devido ao tamanho muito reduzido das suas populações e dos habitats que ocupam, estas espécies não atingem as condições de sustentabilidade necessárias para ser consideradas como um recurso cinegético, pelo que deveriam ser excluídas definitivamente da lista de espécies cinegéticas.


Aves nativas migradoras de habitats aquáticos

As três espécies de patos consideradas na proposta, o pato-real (Anas platyrhynchos), a marrequinha (Anas crecca) e a piadeira (Anas penelope), são aves principalmente migradoras que nos Açores ocupam os escassos habitats de água doce presentes na região, como são as lagoas e os charcos de maior dimensão.

Para além dos efeitos que a caça pode ter sobre estas três espécies, o exercício da caça nestes habitats aquáticos provoca uma enorme perturbação e um muito elevado impacto no conjunto da fauna que os ocupa. Nomeadamente sobre um elevado número de espécies de aves migradoras, todas elas protegidas, que ocupam estes habitats e que se encontram já de por si muito enfraquecidas pelo enorme esforço da migração, precisando de uma absoluta calma para se alimentar e poder sobreviver.

A caça nestes habitats constitui ainda um enorme entrave para o turismo de observação de aves, actividade económica em grande crescimento na nossa região. A observação das numerosas espécies migratórias que utilizam estes valiosos meios aquáticos possui um grande interesse turístico, sendo o desempenho desta actividade económica abertamente incompatível com o exercício da caça.

A estes problemas acrescenta-se ainda a contaminação das águas por causa do chumbo dos projécteis utilizados na caça, metal que provoca a doença do saturnismo que afecta a animais e a pessoas. A actual proposta só trata muito timidamente este assunto proibindo a utilização de cartuchos com projécteis de chumbo “aquando da caça em zonas húmidas protegidas” a partir de 2019.

Para além destes impactos ambientais, económicos e ecológicos, deve ainda considerar-se que no passado foram registrados alguns casos de reprodução destas três espécies de patos nas nossas ilhas, o que poderá voltar a acontecer se for eliminada a perturbação dos exemplares e os seus habitats. De qualquer forma, estas três espécies estão presentes nos Açores sempre em números muitíssimo reduzidos, pelo que está claro que também não atingem as condições de sustentabilidade necessárias para ser consideradas como um recurso cinegético e deveriam ser excluídas da lista de espécies cinegéticas.


A caça acidental de espécies protegidas

Das aves classificadas como cinegéticas na proposta, quatro possuem espécies aparentadas, muito próximas, que aparecem também com frequência como migradoras nos Açores: a narceja-americana (Gallinago delicata), o pato-escuro-americano (Anas rubripes), a marrequinha-americana (Anas carolinensis) e a piadeira-americana (Anas americana). Estas espécies aparentadas têm um aspecto muito semelhante às outras, sendo com frequência praticamente impossíveis de diferenciar, mesmo para pessoas com experiência.

Pelo facto de serem quase indistinguíveis, a caça das quatro espécies incluídas na proposta implica inevitavelmente a caça involuntária destas outras quatro espécies próximas, que estão estritamente protegidas e cuja caça é considerada como um delito (a própria proposta propõe uma coima de entre cem e dois mil quinhentos euros para estes casos). Ignorando de forma absurda esta circunstância, a proposta é completamente incoerente nos seus propósitos, convertendo, na prática, espécies protegidas em cinegéticas e caçadores em delinquentes.


Métodos de caça inapropriados

Por ser desnecessária, surpreende a regulamentação nesta proposta de métodos de caça sem nenhuma tradição nos Açores, como são a caça com arco ou besta, ou a caça com aves de presa. Ou também a insistência na utilização do furão ou de negaças vivas em determinados métodos de caça.

A utilização de aves de presa implica a manutenção em cativeiro de exemplares destas espécies protegidas, para os quais será preciso manter custosas instalações que correspondam a umas condições dignas de cativeiro. Para além disso, quando utilizadas na caça, é muito frequente o escape ou perda de exemplares, que são assim introduzidos no meio natural, com todos os riscos que isto comporta.

O furão é também uma espécie exótica invasora que infelizmente já conseguiu estabelecer-se em liberdade nos Açores, sendo a sua utilização na caça a principal causa da sua introdução e presença no nosso meio natural. É portanto de toda lógica a proibição da sua utilização como método de caça.

A utilização de patos e pombos vivos como negaças é eticamente reprovável e parece uma prática completamente desnecessária existindo negaças artificiais. Igualmente cruel e desumana é a autorização feita para, nos campos de treino de caça, largar exemplares de “espécies cinegéticas de cativeiro e variedades domésticas de pombo-das-rochas” para serem mortas “no próprio dia”. Outro método de caça que tem sido igualmente referido pela sua crueldade é a caça a corricão do coelho-bravo, sem utilização de arma de fogo.

Ainda, o texto da proposta resulta confuso quando, sem diferenciar entre espécies exóticas ou nativas, fala de “correcção de densidade” de espécies cinegéticas. O controlo populacional pode fazer sentido referido a espécies exóticas invasoras como o coelho-bravo, mas não é aplicável directamente às espécies nativas, que contam com a sua própria regulação natural dentro do ecossistema.


Actividade duma minoria financiada publicamente

O Governo Regional, através dos Serviços Florestais, está já a criar, ou pretende criar, exemplares de codorniz, perdiz-vermelha, perdiz-cinzenta e pato-real para os libertar no meio natural com a finalidade de potenciar o exercício da actividade cinegética. Custa perceber a razão pela qual tanto dinheiro, equipamentos e funcionários públicos são utilizados para benefício da minoria de pessoas que pratica este tipo de caça.

Como já foi referido, esta situação é grave nomeadamente no caso da perdiz-vermelha e da perdiz-cinzenta, que são espécies exóticas que nunca deveriam ser introduzidas no meio natural, e ainda menos por uma entidade governamental. Da mesma forma que é também incompreensível a actual cria e libertação nas ribeiras e lagoas dalgumas ilhas açorianas, por parte dos Serviços Florestais, da truta-arco-iris, também ela considerada como uma das cem das piores espécies exóticas invasoras a nível mundial.

O escasso benefício destas actividades minoritárias, altamente subsidiadas, contrasta claramente com o impacto negativo que exercem sobre outras actividades económicas muito mais importantes para a nossa região e para a maioria dos açorianos, como é por exemplo o turismo. Um impacto que resulta ainda maior quando a caça é praticada na proximidade dos trilhos pedestres, levando a evidentes riscos para a segurança dos praticantes do pedestrianismo, ou também quando se pretende abrir o período venatório ainda nos meses do verão, quando há grande presença de turistas.


A necessidade duma nova proposta legislativa

Por todas as razões citadas, é necessária uma viragem na política praticada até agora à volta da actividade cinegética nos Açores. Esta prática deve ter uma correcta adequação à realidade açoriana, com uma necessária modernização dos conceitos e uma reconfiguração dos seus objectivos. É igualmente imprescindível valorizar a fauna açoriana frente a determinados interesses económicos elitistas, apostando claramente em sectores económicos de futuro, compatíveis com o respeito integral pelo ambiente e pela natureza.

Como conclusão, deve exigir-se a retirada da actual Proposta de Decreto Legislativo Regional feita pelo Governo Regional e a sua reformulação numa nova proposta que considere um maior grau de conhecimento científico, o cumprimento dos tratados internacionais e um maior cuidado e respeito pela sempre frágil, única e irrepetível natureza dos Açores.




ASSOCIAÇÕES E GRUPOS ECOLOGISTAS:

Amigos dos Açores – Associação Ecológica
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza / São Miguel
Coletivo Açoriano de Ecologia Social
Avifauna dos Açores


APOIOS INDIVIDUAIS (>350 pessoas):

Plataforma change.org: ver aqui






26/09/2017

Identificada nova espécie de ave dos Açores provavelmente extinta pelo homem


Uma nova espécie de ave, já extinta, foi recentemente encontrada e identificada no arquipélago dos Açores. Esta nova espécie, denominada como Priolo-grande (Pyrrhula crassa †), vivia pelo menos na ilha Graciosa, onde foram agora encontrados vários dos seus restos ósseos preservados no interior duma gruta vulcânica.




Esta nova espécie pertence ao mesmo género que o Priolo (Pyrrhula murina), espécie da qual apenas sobrevive uma reduzida população, grandemente ameaçada, no leste da ilha de São Miguel, dentro do mesmo arquipélago. E também que o Dom-fafe (Pyrrhula pyrrhula), ave amplamente distribuída pelo continente europeu e asiático.

O Priolo-grande tinha no entanto um tamanho maior do que os seus parentes, como revela o maior comprimento dos restos ósseos encontrados. Mas desconhece-se qual seria, na realidade, a cor das suas penas e o seu aspecto externo.

A desaparição ou extinção desta espécie endémica dos Açores parece coincidir com a chegada dos colonizadores portugueses ao arquipélago. E também com a desaparição de outras quatro aves endémicas: três frangos-d'água (Rallus carvaoensis, R. montivagorum e R. nanus) e um mocho (Otus frutuosoi), dos quais foram igualmente encontrados restos ósseos em várias ilhas dos Açores.

A desaparição destas espécies é portanto muito provavelmente devida à chegada do homem aos Açores, que teve como consequência a destruição de muitos dos habitats originais. E também a introdução nas ilhas de diferentes espécies exóticas invasoras, como gatos ou ratos, que são responsáveis pela maioria das extinções acontecidas em ilhas oceânicas de todo o mundo. Os gatos, por exemplo, são responsáveis pela desaparição de 22 aves, nove mamíferos e dois répteis em diferentes ilhas oceânicas, um 14% do total mundial das extinções de vertebrados.

Com o descobrimento destas espécies ficamos com uma ideia melhor e mais completa sobre o que era a autêntica riqueza e biodiversidade destas ilhas, infelizmente em grande medida perdida para sempre.

REFERÊNCIA:
J.C. Rando, H. Pieper, Storrs L. Olson, F. Pereira e J.A. Alcover. A new extinct species of large bullfinch (Aves: Fringillidae: Pyrrhula) from Graciosa Island (Azores, North Atlantic Ocean). Zootaxa 4282 (3): 567–583.




19/01/2017

Abates de gaivotas sem necessidade de autorização


A Gaivota-dos-Açores (Larus michahellis atlantis), uma subespécie endémica de gaivota do nosso arquipélago, pode ser abatida legalmente sem necessidade de autorização por parte de aterros e aeroportos!


Segundo declarações do Director Regional do Ambiente,"as entidades gestoras destas infraestruturas podem fazer controlos selectivos das populações de gaivota e o abate é permitido com recurso a arma de fogo, sem necessidade de autorização".

No entanto, segundo a Inspeção Regional, não são permitidos “métodos não selectivos, como é o caso de envenenamento, que comportam riscos biológicos e introdução em cadeias alimentares e riscos de saúde pública, entre outros". Esta prática é considerada uma contra-ordenação ambiental grave. Por causa disso, a Associação de Municípios de São Miguel, que recentemente envenenou gaivotas com iscos com pentobarbital sódico, vai sofrer agora um processo de contra-ordenação que pode culminar com coimas que vão dos 12 aos 216 mil euros.



(Fonte: Correio dos Açores, 19 de Janeiro de 2017)

17/11/2016

Comunicado: As gaivotas são realmente uma praga?


Perante as alarmantes notícias sobre o abate e envenenamento de gaivotas nos aterros sanitários dos Açores, sendo esta espécie qualificada frequentemente como uma “praga” pelos responsáveis destes aterros e também pela comunicação social, as seguintes Associações e Grupos ecologistas da região, assim como diversas pessoas a título individual, querem fazer público e manifestar o seguinte:




AS GAIVOTAS SÃO REALMENTE UMA PRAGA?


O que é realmente uma praga?

O conceito de praga tem vindo a evoluir no tempo, passando de ser uma simples palavra de uso na linguagem comum a ser actualmente um conceito com um significado técnico e científico muito mais rigoroso.

Tradicionalmente entende-se como praga qualquer tipo de organismo capaz de causar danos consideráveis nas produções agrícolas ou florestais. Estes organismos podem ser animais, plantas ou microorganismos, sendo então habitual falar, respectivamente, de pragas animais, de ervas daninhas ou de doenças das plantas.

O conceito de praga, no entanto, tem-se alargado posteriormente a outros tipos de danos, não apenas às culturas agrícolas ou florestais, e também inclui actualmente os danos causados à saúde humana, aos animais domésticos ou a determinados interesses económicos.

Se antigamente os organismos (animais, plantas ou microorganismos) eram considerados de forma simplista como bons ou maus segundo a sua capacidade de converter-se em pragas, actualmente o conceito de praga não está centrado no organismo mas na situação na qual ele acaba por se converte em praga. Assim, um organismo poderá ser benéfico num determinado lugar e poderá ser, ao mesmo tempo, uma praga noutro lugar diferente. Isto é, não existem espécies-praga, mas espécies que em determinadas condições se convertem em praga.

E em que condições um organismo se converte em praga? Habitualmente isto acontece naquelas condições em que um determinado organismo passa a multiplicar-se de forma rápida e sem controlo, criando subitamente uma superpopulação que é causadora de danos. Ora, estas condições são precisamente as que caracterizam às espécies exóticas invasoras. Estas espécies, introduzidas pelo homem, têm exactamente como característica crescer e multiplicar-se sem controlo por não existir no ecossistema no qual foram introduzidas nenhum factor de equilíbrio sobre a sua população, como poderia ser por exemplo a existência de predadores, de competidores, de parasitas ou de doenças. Assim, as espécies exóticas invasoras facilmente podem converter-se em praga.

Muito mais raras são as condições nas quais uma espécie nativa pode converter-se também em praga, e implicam que esta espécie tenha uma alta taxa de natalidade capaz de criar um aumento súbito da sua população, como acontece por exemplo na África com as pragas nativas de gafanhotos. Estando as espécies nativas em equilíbrio com o seu ecossistema, esse aumento súbito acabará no entanto por ser anulado naturalmente, registando-se assim apenas uma situação de ciclos periódicos de aumento da sua população.


As gaivotas são uma praga?

A Gaivota-dos-Açores (Larus michahellis atlantis) é uma subespécie de gaivota endémica do nosso arquipélago. É portanto uma subespécie que só existe nas ilhas dos Açores (alguns autores, no entanto, incluem nesta subespécie as gaivotas existentes na Madeira e nas Canárias, enquanto outros elevam a Gaivota-dos-Açores à categoria de espécie independente). Calcula-se que exista uma população total de mais de quatro mil casais reprodutores de Gaivota-dos-Açores, distribuídos pelas diferentes ilhas açorianas [1].

A Gaivota-dos-Açores não é, portanto, uma espécie exótica invasora que cresça sem controlo, mas antes uma espécie nativa cuja população está em equilíbrio com o ecossistema do qual faz parte. E tendo ainda uma taxa de reprodução bastante baixa, sem capacidade de ter aumentos rápidos nem súbitos da sua população, não tem objectivamente condições para converter-se ou ser considerada alguma vez uma praga.

O mesmo pode dizer-se de outras espécies e subespécies de aves nativas endémicas dos Açores, como o Pombo-torcaz (Columba palumbus azorica), o Melro-preto (Turdus merula azorensis) e o Estorninho (Sturnus vulgaris granti). Estas espécies não têm capacidade de ser praga, apesar de erroneamente serem muitas vezes referidas como tal na comunicação social açoriana. Também não é uma praga o priolo (Pyrrhula murina), que no passado foi levado quase ao extermínio por ser considerado como tal nas culturas de laranja. Apesar de que todos eles podem causar ou causam danos pontuais em determinadas culturas, nem têm as características nem ocasionam um volume de danos suficientes como para poder ser alguma vez considerados uma praga.

A população de Gaivota-dos-Açores, no entanto, tem sofrido ultimamente um aumento significativo no arquipélago como consequência do desequilíbrio criado pelo homem no seu ecossistema. A incorrecta e negligente gestão dos resíduos sólidos urbanos tem proporcionado a esta espécie um aumento importante de alimento disponível. Assim, nas ilhas de maior dimensão as gaivotas passaram a frequentar principalmente lixeiras e aterros para se alimentar, sendo nelas actualmente o lixo a sua principal fonte de alimentação. Com isto a população de gaivotas tem vindo ultimamente a crescer, estimando-se ter aumentado até num 60 % em duas décadas [1].

As gaivotas, para além dalguns incómodos pontuais, na realidade não ocasionam danos consideráveis ao ser humano. No entanto, a nível sanitário, há uma importante preocupação pela possível transmissão de doenças que possam apanhar nas lixeiras e nos aterros mal geridos onde se alimentam. Também, a nível natural, é preocupante o possível aumento da pressão de predação que podem exercer sobre outras aves nativas, ou ainda, por exemplo, o possível aumento da eutrofização da Lagoa do Fogo, lugar onde está situada a principal colónia de cria destas gaivotas.


O que fazer com as gaivotas?

O aumento da população da Gaivota-dos-Açores é consequência do desequilíbrio criado pela negligente gestão dos resíduos sólidos urbanos. Uma gestão eficiente dos resíduos, onde a fracção orgânica do lixo fosse recolhida e tratada separadamente, sem ir parar às lixeiras ou ao aterro, eliminaria esta fonte extraordinária de alimentação das gaivotas e sua população voltaria automaticamente a níveis normais. Outras melhoras possíveis, como o tratamento biológico dos resíduos ou uma melhor utilização dos aterros, reduziria igualmente a população actual de gaivotas. O problema não está portanto em saber o que fazer com as gaivotas senão em corrigir os maus hábitos e o desequilíbrio causado pelo homem no ambiente e nos ecossistemas das ilhas.

Entretanto, caso se queira insistir por mais tempo num modelo erróneo e insensato de gestão dos resíduos, existe a possibilidade de tomar algumas medidas sobre a população de gaivotas que, sem chegar nunca a solucionar as causas, podem minorar transitoriamente os possíveis danos que possam causar. Estas medidas, especialmente por se tratar de uma subespécie endémica dos Açores, devem ser obrigatoriamente realizadas dentro das normas éticas que merece uma espécie única da nossa ornitofauna. Deste tipo de medidas pode ser um bom exemplo a esterilização de ovos de gaivota que tem vindo a realizar-se na colónia da Lagoa do Fogo e que tem conseguido reduzir em parte a natalidade desta espécie.

Existem no entanto na nossa região numerosos exemplos recentes de uma total falta de ética no tratamento da população de gaivotas, realizados mais ou menos secretamente nos aterros da região e também fora deles. É disto um vergonhoso exemplo a opção de disparar e abater gaivotas no aterro da ilha Terceira, onde recentemente as gaivotas foram mortas às centenas (ou aos milhares se acreditamos no anunciado pelo próprio aterro) [2]. Ou também a opção de colocar iscos envenenados no aterro de São Miguel com um veneno tão perigoso como o pentobarbital sódico, utilizado na eutanásia animal e humana, que tem matado recentemente não só gaivotas, como também outras aves nativas e até vários cães [3].

Olhando para estas acções que atentam de forma vergonhosa contra a natureza, realizadas ou autorizadas pelas administrações regionais e locais, percebemos que o respeito pela fauna nativa continua a ser uma miragem na nossa região. E isto num momento no qual se faz propaganda dos Açores como uma região moderna e sustentável e tenta atrair-se a ela o chamado turismo verde e de natureza.

Há ainda cargos públicos na nossa região que consideram que as gaivotas são “ratos com asas”. E até os próprios deputados regionais, numa recente Resolução de 2015 [4], chegam a equiparar legalmente espécies endémicas como são as gaivotas, os pombos e os melros a espécies exóticas invasoras como são os ratos ou as térmitas, o que diz muito do seu respeito pela fauna dos Açores. Afinal, apetece dizer que a pergunta não será o que é que nós podemos fazer com as gaivotas, senão o que é que as gaivotas e a natureza poderão fazer connosco.



REFERÊNCIAS
[1] Neves, V.C., N. Murdoch, R.W. Furness. 2006. Population status and diet of the Yellow-legged Gull in the Azores. Arquipélago. Life and Marine Sciences 23A: 59-73.
[2] Telejornal. RTP Açores, 11/05/2015.
[3] Produto usado no controlo de gaivotas nos Açores pode ter implicações na saúde pública. Público, 28/10/2016. https://www.publico.pt/local/noticia/produto-usado-no-controlo-de-gaivotas-nos-acores-pode-ter-implicacoes-na-saude-publica-1749131
[4] Plano estratégico de combate às pragas dos Açores e controlo de densidade de espécies protegidas. Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 14/2015/A.



ASSOCIAÇÕES E GRUPOS ECOLOGISTAS:

Amigos dos Açores – Associação Ecológica
Amigos do Calhau – Associação Ecológica
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
Coletivo Açoriano de Ecologia Social
Avifauna dos Açores





APOIOS INDIVIDUAIS:

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Ana Margarida de Medeiros Henrique
Ana Teresa Fernandes Baia Simões
António Eduardo Soares de Sousa
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15/06/2016

Autorizado o abate do Pombo-trocaz da Madeira



Pombo-trocaz ou Pombo-da-madeira (Columba trocaz), espécie endémica da ilha da Madeira. O Governo Regional da Madeira autorizou mais um ano (Despacho 242/2016) o abate desta espécie ligada à floresta laurissilva e protegida no Anexo I da Directiva Aves.